Varejista pode se valer do CDC?

No entendimento de especialistas, a lei consumerista foi criada para proteger e defender apenas os direitos do consumidor final.

Autor: Angela CrespoFonte: Diário do Comércio

É comum na caixa de e-mail da coluna aparecerem mensagens de micro e  pequenos  empresários pedindo informações sobre como proceder no caso de um produto apresentar defeito após a compra pelo consumidor. Um desses lojistas perguntou se, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ele pode exigir que o fabricante do item com defeito o reembolse pelo dano que teve. Explicando: alguns dias depois de vender um produto, o consumidor retornou à sua loja solicitando o reparo. O dono do estabelecimento pagou pelo conserto, mas o resultado durou pouco. Em nova visita à loja, o seu cliente quis a devolução do dinheiro. Ele questiona: "O fabricante não é responsável solidário e teria de me reembolsar pelos custos do reparo do item, da devolução do dinheiro e até da perda do cliente? Onde eu posso buscar ajuda?"

A resposta, conforme os especialistas em Código de Defesa do Consumidor, é que sim: o fabricante deve reparar os prejuízos desse lojista, mas o caminho para fazer valer esse direito não é com base no CDC e tampouco se pode recorrer ao Procon, uma vez que não se trata de uma relação de consumo, mas comercial ou civil. "A lei consumerista foi criada para proteger e defender os direitos do consumidor final", explica Marcio Marcucci, técnico do Procon-SP.  Esse consumidor final pode até ser um lojista, desde que o produto que apresentou defeito foi comprado para uso próprio, não para revenda (artigo 2). 

O próprio CDC, conforme Marcucci, determina que o lojista é tão responsável por um produto com vício de qualidade quanto o fabricante (artigo 18) e o cliente tem liberdade para escolher quem ele vai acionar para reparar seu dano - o lojista ou o fabricante - até mesmo nos órgãos de defesa do consumidor. "O lojista só está isento da culpa se o consumidor sofrer um acidente de consumo. Neste caso, a responsabilidade é de quem produziu e distribuiu ao mercado um item que colocou em risco a vida ou a segurança de quem o adquiriu."
É importante saber que  "a responsabilidade no caso de vício de qualidade atinge não só o defeito no produto ou serviço, como também os danos causados ao consumidor por não ter desfrutado do item adquirido", ressalta Sandra Fiorentini, consultora do Sebrae-SP. Segundo ela, o comerciante será responsabilizado também quando não conservar adequadamente um produto perecível ou quando o consumidor não identificar o fabricante, construtor, o produtor ou importador (artigo 13).

Tudo a seu tempo –  O comerciante não precisa fazer de imediato o reparo do item defeituoso. Conforme o CDC, ele tem 30 dias para devolver o produto ao consumidor em perfeito estado. "O lojista pode recepcionar e encaminhar ao fabricante o artigo para que este proceda ao reparo. Se estourar o prazo de um mês, é o lojista quem vai sofrer as consequências, ou seja, terá de devolver o dinheiro ao consumidor ou entregar um novo produto, uma vez que o consumidor o acionou", comentou Marcussi.

No caso de produtos considerados essências (roupa, calçado, alimentos, etc.), a troca ou a devolução do dinheiro têm de ser imediata. A regra dos 30 dias não vale.

Os caminhos para o comerciante

O técnico do Procon, Marcio Marcucci, destaca que o CDC não está jogando o prejuízo em caso de produto com vício de qualidade nas costas do comerciante. A lei consumerista trabalha o pronto-atendimento ao consumidor, ou seja, que ele não fique no prejuízo e tenha uma solução rápida. 

"Mesmo que o lojista devolva de imediato o dinheiro ao consumidor ou troque o produto, sabemos que ele irá buscar o ressarcimento com o seu fornecedor. Essa prática é comum nas grandes redes de varejo e já faz parte do contrato as ações que serão observadas no caso de produtos com defeito. Para os microempresários, por não terem poder de barganha, isso é mais complicado. Mas eles poderiam exigir de suas entidades de classe a formação de grupos de apoio ou de negociação com os fabricantes para que fossem assessorados nesse sentido", sugere o técnico. 

A saída mais concreta para os microempresários resolverem pendências com seus fornecedores é recorrer ao Juizado Especial Cível (JEC) caso não obtenham solução diretamente com o fabricante. Mas há alguns poréns: o valor da causa não pode ultrapassar 40 salários-mínimos e entre 20 e 40 salários-mínimos é obrigatório que um advogado acompanhe o processo. Se a ação regressiva for superior a 40 salários, o comerciante deverá buscar solução na Justiça Comum. A consultora do Sebrae oferece outra possibilidade: "Se a solução amigável não for possível e não se quiser recorrer à Justiça, pode-se procurar o setor de conciliação extraprocessual do fórum para tentar informalmente uma conciliação."

Alguns detalhes importantes como ficar atento se fornecedores do comerciante são legalmente constituídos, exigir nota fiscal, verificar se o produto está com manual de instruções, certificado de garantia, se possui etiqueta com informações do fabricante (razão social, CNPJ, endereço, telefone); da composição do produto; forma de lavagem; numeração, ou seja, informações necessárias para o correto uso e destinação do produto, são outras dicas da consultora do Sebrae  e podem reduzir os danos principalmente aos pequenos empresários.

Vítima indenizada

Ameaças e agressões por parte de segurança de uma pizzaria instalada em Taguatinga, Distrito Federal, renderam a um consumidor indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. A decisão é do juiz da terceira Vara Cível de Taguatinga e cabe recurso. 

O consumidor, ao abrir a ação, sustentou que, após pagar parte da conta referente à mesa que dividia com amigos, só conseguiu deixar o estabelecimento após voltar ao caixa e quitar o saldo, o que fez após ter sido agredido pelos seguranças do restaurante.

Na defesa, o dono da pizzaria rebateu as acusações de agressão. Segundo ele, após o cliente ter efetuado parte do pagamento, seus amigos se recusaram a quitar o saldo, argumentando que o consumo era exclusivo do autor da ação. Afirmou que os empregados que controlam a saída foram orientados a encaminhá-lo ao caixa. 

O juiz, em sua decisão, aponta o restaurante como estabelecimento empresarial que oferece serviços de entretenimento, "portanto não pode agir de maneira arbitrária a ponto de constranger física e psicologicamente uma pessoa. Muito menos forçar o cliente a pagar duas vezes pela mesma coisa, sendo que na segunda vez impôs-lhe a obrigação de pagar pelo consumo total de uma mesa que dividia com amigos e não apenas pela sua parte".

Para o juiz, o caso foi de extrema gravidade uma vez que  "o autor encontrava-se em situação de inferioridade numérica, pois estava cercado por vários seguranças". Conforme o juiz, a conduta da empresa encontra-se demonstrada nos autos, especialmente pelos comprovantes de pagamento da conta, um deles no valor R$ 122,24 e o outro de R$ 320. 

"As alegações da contestação no sentido de que os demais amigos do réu teriam se recusado a pagar pela sua cota não restaram demonstradas, e, de qualquer modo, nada justifica o uso da violência para constranger alguém ao pagamento de uma dívida" completou o magistrado.

Consórcios
 

Tramita pela Câmara dos Deputados o projeto de lei 7.899/2010, do deputado federal Manoel Júnior (PMDB-PB), que obriga as administradoras de consórcio 
a devolverem imediatamente aos consorciados excluídos os valores já pagos ao fundo comum do grupo. A proposta altera a lei do sistema de consórcio (lei 11.795/2008). 
A legislação atual já prevê a restituição, mas não obriga que ela seja imediata.

O projeto mantém a obrigatoriedade, já prevista na lei em vigor, que o valor a ser devolvido deve ser calculado com base no percentual amortizado do total do bem ou serviço na data da assembleia, além dos lucros do dinheiro aplicado. Para o deputado, a mudança contribuirá para estimular o crescimento do mercado de consórcios.

Veto presidencial – Na sanção da lei 11.795/2008, vetos presidenciais ao texto aprovado pelo Congresso excluíram parágrafos que permitiam que as administradoras fizessem prevalecer a devolução dos valores já pagos até 60 dias após a última assembleia do grupo.

 "O objetivo do veto foi fazer prevalecer a devolução imediata", explica Manoel Junior. A interpretação da lei, no entanto, segundo o deputado, tem mantido a regra de devolução dos valores já pagos somente após o encerramento do consórcio. Essa prática, em sua avaliação, constitui condição abusiva e contrária ao Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990).

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